Trabalho de ressignificação emocional durante a reabilitação de sujeitos em condiçõesde dependência de drogas
El trabajo en la resignificación emocional durante la rehabilitación de sujetos en condición de adicción a las drogas
Work on emotional resignification during the rehabilitation of subjects with drug addiction
Recepción: 26 de octubre de 2021 / Aceptación: 25 de noviembre de 2021
Ana Araceli Navarro Becerra1
DOI: https://doi.org/10.54255/lim.vol10.num20.565
Abstract
The objective of this article is to describe the way in which work understood as a physical or intellectual activity or both is linked to the process of emotional resignification as part of the rehabilitation of drug users. Following a qualitative methodology, in-depth interviews were applied to 10 subjects in rehabilitation to attend to addictive drug use. These subjects have been sober for more than 5 years and are part of a self-help group that implements the 12-step program of Alcoholics Anonymous. The group is located in the Metropolitan Area of Guadalajara, Jalisco, Mexico. Among the results, it stands out that the work promotes the development of skills for emotional resignification aimed at self-care and in turn, caring for the members of the group. It is concluded that the condition of managing emotionality is a constant in the life of subjects with addictive drug use. Hence, emotional resignification allows them to establish relationships with themselves, with others and with their environment.
Keywords: work, emotionality, rehabilitation, hypersensitivity, drug addiction
Resumen
El objetivo de este artículo es describir la manera en que el trabajo entendido como una actividad física, intelectual o ambas está ligado al proceso de resignificación emocional como parte de la rehabilitación de consumidores de drogas. Con apego a una metodología cualitativa se aplicaron entrevistas en profundidad a 10 sujetos en rehabilitación para atender el consumo adictivo a las drogas. Estos sujetos cuentan con más de 5 años de sobriedad y forman parte de un grupo de autoayuda que implementa el programa de 12 pasos de Alcohólicos Anónimos. El grupo está ubicado en el Área Metropolitana de Guadalajara, Jalisco, México. Entre los resultados destaca que el trabajo promueve el desarrollo de habilidades para la resignificación emocional orientadas al autocuidado y, a su vez, al cuidado de los miembros del grupo. Se concluye que la condición de gestionar la emocionalidad es una constante en la vida de los sujetos con consumo adictivo a las drogas. De ahí que la resignificación emocional les permite establecer relaciones consigo mismos, con los demás y con su entorno.
Palabras clave: trabajo, emocionalidad, rehabilitación, hipersensibilidad, adicción a las drogas
Resumo
O objetivo deste artigo é descrever a forma como o trabalho compreendido como atividade física, intelectual ou ambos está ligado ao processo de ressignificação emocional como parte da reabilitação de usuários de drogas. De acordo com uma metodologia qualitativa, foram aplicadas entrevistas aprofundadas a 10 sujeitos em reabilitação para abordar o uso de drogas viciantes. Esses sujeitos têm mais de 5 anos de sobriedade e fazem parte de um grupo de autoajuda que implementa o programa de 12 passos dos Alcoólicos Anônimos. O grupo está localizado na Região Metropolitana de Guadalajara, Jalisco, México. Entre os resultados, destaca-se que o trabalho promove o desenvolvimento de habilidades para ressignificação emocional orientadas ao autocuidado e, por sua vez, ao cuidado dos membros do grupo. Conclui-se que a condição de gestão da emoção é uma constante na vida de indivíduos com uso viciante de drogas. Assim, a ressignificação emocional permite estabelecer relações consigo mesmas, com os outros e com seu ambiente.
Palavras-chave: trabalho, emoção, reabilitação, hipersensibilidade, vício em drogas
Introdução
Embora o vício em drogas seja um fenômeno de longa data, hoje suas consequências são enquadradas em uma sociedade pós-modernista, caracterizada pelo hedonismo, individualismo, mercantilização, consumo e prazer imediato (Beck, 1998; Giddens, 1994). Somam-se a isso as recorrentes crises econômicas, o aumento da pobreza, bem como o aumento da violência e da insegurança como aspectos que facilitam o consumo de drogas entre a população, tornando-se um problema de saúde integral e comunitária.
Nesse sentido, o Relatório Mundial sobre Drogas indica que, em 2019, perto de 207 milhões de pessoas usaram drogas. No caso do México, nas últimas décadas houve um aumento de substâncias entre a população. Nesse sentido, a Pesquisa Nacional de Consumo de Drogas, Álcool e Tabaco (Comisión Nacional contra las Adicciones, 2017) informou que no período 2011-2016 o consumo viciante entre a população aumentou de 7,2% para 9,9%. Alguns autores, incluindo Bautista (2012) argumentam que, no caso do México, o consumo de substâncias viciantes aumentou porque, a partir das últimas décadas do século XX tornou-se um mercado para a produção, tráfico e consumo de drogas.
Um aspecto relevante nesse quadro é a diversidade de medicamentos disponíveis no mercado que são acessíveis para a população de diferentes estratos econômicos. Segundo Medina, Natera, Borges, Cravioto, Fleiz e Tapia (2001), um dos problemas mais fortes em relação às drogas é que elas são mais agressivas, fáceis de fabricar e algumas delas são baratas para sua fabricação, por exemplo, metanfetaminas, além da relativa facilidade de distribuição e comercialização.
A isso, acrescenta-se que a tendência ao policonsumo vem aumentando. Nesse sentido, Del Campo e García (2015) argumentam que é difícil para uma pessoa consumir apenas um tipo de droga, mas que hoje o policonsumo prolifera, ou seja, o consumo de várias substâncias viciantes. Embora seja verdade que, em tempos anteriores, o tabaco costumava ser combinado com o álcool, hoje os padrões de consumo mudaram, voltando-se para substâncias mais agressivas no nível biológico, psicológico e neuronal (Guerrero, na imprensa) sem negligenciar o aspecto econômico e social. Da mesma forma, o problema do consumo entre a população é que, nos últimos anos, o início do consumo tem sido detectado em idades cada vez mais jovens, complicando os processos de cuidado por meio da reabilitação.
Neste estudo, o vício em drogas é entendido como a necessidade de consumo da substância por meio de comportamentos impulsivos ou para experimentar seus resultados ou, porque o corpo o exige, caso contrário, uma alteração no comportamento e sensações é mostrada com consequências negativas para a pessoa em condição de vício e para o seu ambiente (CONADIC, S.F.).
Devido às consequências do uso de drogas viciantes manifestadas nos sujeitos por meio de atitudes –diminuição da autonomia, isolamento, compulsão para consumo, atividades criminosas, especialmente quando ocorrem períodos de abstinência–, e efeitos para a saúde –deterioração do organismo e funções cerebrais–, a população em condição de dependência de drogas tem sido considerada como parte das “populações ocultas”, devido à sua exclusão, marginalização e estigmatização social (Desmon e Morrow, 2014; O’Connor, 2012). Ao mesmo tempo, tanto as drogas quanto aqueles que as usam foram criminalizadas (Llinares e Loret, 2010). Portanto, há uma corrente de pensamento que considera a necessidade de “curá-los” e isolá-los de seu ambiente imediato (Rubio, 2001). Da mesma forma, há posições de pesquisadores que reconhecem os efeitos das drogas na estrutura cerebral (Rosello, 2017; Guerrero, na imprensa), no Sistema Nervoso Central (Blum, et al., 2012), e predisposição genética (Araujo, 2016), além de seus efeitos no nível psicossocial (Becoña, 2016).
Este estudo reconhece os efeitos do vício em drogas no corpo no nível neuro-biologico e psico-sociocultural, reconhecendo a capacidade do sujeito de agência tanto no processo viciante quanto na reabilitação. Da mesma forma, destaca-se o fato de que o problema não reside no consumo em si, mas que uma condição de emoção se destaca que, segundo Flores, Gómez, Pérez e Arce (2020), faz com que eles sintam intensamente fazendo com que suas ações sejam impulsivas, agressivas ou autodestrutivas. Esse traço de emoção é muitas vezes referido como hipersensibilidade e tem sido proposto por estudiosos da psicologia.
A importância de retomar a hipersensibilidade no vício em drogas está no uso de substâncias é geralmente uma alternativa para apaziguar a maneira como os sujeitos vivem sua emoção. Segundo Guerrero (na imprensa), muitos sujeitos consomem para aliviar estados emocionais como ansiedade, insônia, fobias, mau humor, angústia, preocupação e estresse pós-traumático, mas após o efeito das substâncias os estados emocionais reaparecem que no início se pretendia mudar ou reduzir, mas com maior intensidade. Por isso, em muitos casos, o uso de drogas está associado a comportamentos autodestrutivos (Valverde e Pochet, 2003; Gómez, 2018), trazendo consigo consequências para sua família e seu ambiente imediato, uma vez que durante o período viciante há uma fratura de laços, dificuldades de ordem relacional e uma progressiva perda de autonomia (Levin, 2011).
Por isso, é que algumas organizações dedicadas à reabilitação de sujeitos em situação de vício atendem às emoções para que os sujeitos possam identificá-los, reconhecê-los e ressignificá-los. Ressalta-se na ressignificação emocional porque não basta saber o que sentem ou em que circunstâncias, mas é sobre dar às emoções novos significados depois de passar por um processo reflexivo em que reconhecem situações que os ajudam a reinterpretar suas experiências, suas ações e suas emoções.
Assim, o uso de drogas ligadas à hipersensibilidade é tratado a partir de diferentes trincheiras, uma delas é através da reabilitação, geralmente realizada em centros de atendimento ligados a agências governamentais, clínicas privadas de reabilitação, centros de internação e grupos de autoajuda liderados por alguns setores da sociedade civil que atendem pessoas com problemas de uso de drogas. Coincide com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1994) ao apontar que a reabilitação é um processo focado no tema e em suas áreas de vida. No caso de sujeitos em condição de vício, é necessário colocá-los em ambientes onde as atividades envolvem a relação com os outros, para que as emoções possam ser expressas e reconhecidas e depois ressignificadas. Um aspecto importante é que, embora as emoções tenham um componente biológico e químico no corpo, é precisamente na relação interpessoal onde elas estão presentes de forma evidente e é quando elas podem ser atendidas com mais facilidade.
O processo de reabilitação geralmente envolve trabalhos entendidos como atividade física, atividade intelectual ou uma combinação de ambos. O trabalho pode envolver um intercâmbio econômico ou perseguir metas sociais ou comunitárias, dependendo da fase de reabilitação em que está matriculado. Nesse sentido, surge a seguinte pergunta: como o trabalho participa do processo de ressignificação emocional em sujeitos em condições de vício em reabilitação?
Objetivo
O objetivo deste artigo é descrever a forma como o trabalho participa da reconfiguração emocional dos sujeitos em condição de vício no processo de reabilitação.
Este trabalho parte principalmente de estudos socioculturais para entender a forma como a ressignificação emocional está ligada ao trabalho, entendida a partir da ecologia humana como uma atividade relacional que pondera o aspecto social. Enquanto o termo emoções é retirado da biologia e estudos socioculturais. Esse problema requer uma abordagem a partir da complexidade onde estão presentes diferentes perspectivas disciplinares que ajudam a compreender os processos emocionais nos sujeitos em condição de vício e a forma como o trabalho participa do processo de reabilitação.
Precisão teórico-metodológica. O sujeito em condição de vício, o processo viciante e hipersensibilidade
Os vícios funcionam como uma rota de fuga, uma forma de rebelião, os meios para alcançar o reconhecimento e, frequentemente, fornecem a sensação de uma falsa autonomia. Eles também proporcionam uma sensação de prazer a curto prazo e às vezes proporcionam um efeito libertador, relaxante ou triunfante (Giddens, 1998). Segundo Giddens, (1998) e Sennet, (2000), o aumento dos vícios responde, em parte, à individualidade excessiva dos sujeitos e à falta de enraizamento aos costumes, tradições e modos de relacionamento que em algum momento forneceram aos sujeitos um senso de pertencimento e os dotoam com aspectos de identidade (Giddens, 1998; Sennet, 2000).
Essas ausências forçaram a os sujeitos a escolher e negociar estilos de vida para se colocarem no mundo, o que pode significar um caminho sinuoso que nem sempre é possível viajar, já que a sociedade de hoje parece democratizar alguns ideais de beleza e qualidades de sucesso que, na prática, não estão disponíveis para todos. Assim, os vícios, especialmente os relacionados ao uso de drogas, mostram uma alta presença na sociedade atual.
Um aspecto a destacar é que o processo viciante não ocorre automaticamente ou linearmente, mas converge a dimensão psico-sociocultural com o neuro-biopsicológico, pois segundo Guerrero (na imprensa) nem todos os usuários de substâncias estão em condições de vício, nem o processo de dependência se desenvolve durante o primeiro consumo. Por um lado, no nível psico-sociocultural, os vícios começam como atividades esporádicas que progressivamente se tornam hábitos, costumes e fazem parte de rituais incorporados à vida psico-sociocultural dos sujeitos.
Enquanto, no lado neuro-biopsicológico, eles se tornam vícios ao agir compulsivamente e quando eles não têm ou fazem uma determinada atividade, gerando ansiedade incontrolável. De acordo com Guerrero (na imprensa) gerar um vício requer uma ingestão progressiva de substâncias que causam a chamada memória emocional, que consiste em remodelar conexões e vias neurais causando mudanças duradouras; ou seja, uma parte da estrutura cerebral comunica ao organismo a necessidade imperativa de consumo, gerando estados de ansiedade, irritabilidade e, em alguns casos, há aqueles que recorrem a comportamentos violentos para obter a substância.
Uma característica presente transversalmente nessas duas dimensões do processo viciante é a hipersensibilidade tanto em sua constituição bioquímica (Filliozat, 1998) quanto sociocultural (Enríquez, 2009; Sutil, 2013). Uma vez que o vício não se limita à quantidade e frequência de consumo, mas é sobre indivíduos que em sua constituição biológica e química são hipersensíveis. Segundo Flores, et al., (2020), um sujeito em condição de vício é altamente sensível e muitas vezes exagera nas situações que vive e sente. Essa condição de hipersensibilidade faz com que o sujeito em condição de vício perceba o mundo de certa forma e oriente formas de se relacionar consigo mesmo, com aqueles ao seu redor e com o mundo a partir de suas emoções. Outra abordagem para essa condição emocional de sentir mais é a feita por Aron (1996), que a chamou de Pessoas Altamente Sensíveis (PAS) e a considerou como um traço de personalidade.
A hipersensibilidade de sentir mais e perceber com maior intensidade gera em alguns sujeitos estados emocionais que oscilam entre bem-estar e desconforto com suas múltiplas nuances, pois as emoções são enquadradas em um quadro sociocultural que atribui significado e valores às emoções, indicando quais emoções sentir, como senti-las, a quem expressá-las, quando e como (Hochschild, 1979; Illouz, 2007; Enriquez, 2009). Dadas as emoções presentes nos sujeitos, há aqueles que decidem apaziguar ou alterá-las através do consumo de substâncias, que, sendo repetitivas, resultam em vício, mas geralmente não são o problema subjacente.
De qualquer forma, essas consequências associadas ao uso de substâncias são apenas a ponta do iceberg, uma vez que o consumo está relacionado à hipersensibilidade e a um contexto sociocultural que facilita a tendência ao consumo de drogas (Flores et al., 2020) que afetam o sujeito e suas áreas de vida. Por isso, é que alguns grupos dedicados à reabilitação de sujeitos em condições de vício se concentram em abordar a hipersensibilidade, para que os sujeitos identifiquem, reconheçam e ressignifiquem suas emoções, ou seja, que lhes dão um significado diferente, pois viverão e coexistirem com sua forma de senti-los, mas podem decidir reinterpretá-los e gerenciá-los a partir das experiências e situações vividas.
Reabilitação e trabalho
Neste projeto, o termo reabilitação é retomado para tratar da restituição da saúde física, mental e relacional com base na hipersensibilidade dos sujeitos que usam drogas. Assim, é uma reabilitação que une a esfera pessoal ao ambiente sociocultural, a partir da agência dos sujeitos, ou seja, sua capacidade de tomar decisões e a liberdade que têm de orientar estilos de vida (Gómez, 2015) em busca de um lugar no mundo.
Nesse sentido, a reabilitação é concebida como um processo que envolve cuidar dos outros e, ao mesmo tempo, autocuidado; bem como um constante automonitoramento de atos, pensamentos e emoções, onde os avanços da recuperação dependem do organismo do sujeito em condição de vício, seu autocuidado e a forma como estabelece relações de convivência com seus pares e com seu ambiente.
Daí a necessidade de contar com uma noção de trabalho que nos permita compreender sua multifuncionalidade ligada aos objetivos de cada fase no processo de reabilitação. Neste projeto, o conceito de trabalho da geografia humana é retomado, entendido como “uma relação entre recursos e populações em um determinado espaço expresso na quantidade de energia investida para a subsistência do grupo e outros objetivos sociais” (Narotzky, 2004, p. 28). Nessa definição há aspectos essenciais para compreender o trabalho no processo de reabilitação, trata-se de 1) a relação entre recursos e populações em um espaço, 2) a energia investida para a subsistência do grupo e 3) os objetivos sociais.
Quanto ao primeiro, a relação de recursos e população em um determinado espaço, é fundamental porque o trabalho em reabilitação responde às necessidades sentidas e localizadas na população e depende da disponibilidade de recursos humanos, econômicos e de infraestrutura orientados para propósitos mais amplos, como o resgate da dimensão pessoal dos sujeitos em condição de vício em drogas e a ligação entre pares. Precisamente, com esse último aspecto, o segundo parágrafo está vinculado: a energia investida para a subsistência do grupo, que está ligada às práticas e atividades que o grupo implementa a partir de valores comunitários como solidariedade, responsabilidade e cuidado com o resto, entre outros aspectos.
Enquanto isso, os objetivos sociais (parágrafo três), são orientados para o grupo e para a comunidade, com foco no bem-estar individual e coletivo. Dessa forma, o trabalho se configura como meio e não como fim. Dentro dessa concepção, o contexto é fundamental para mostrar que a história está inscrita ali, uma vez que o trabalho leva em conta as relações passadas e presentes entre sujeitos e comunidades para acesso aos recursos, ao mesmo tempo em que orienta as relações futuras. Retomar esse gosto no processo de reabilitação é fundamental para compreender as práticas socio históricoculturais presentes nos grupos que colaboram e participam da reabilitação em um processo que não se limita a um lugar estabelecido, mas vai além das estruturas para se tornar um estilo de vida e reivindicar a posição do sujeito na vida social e coletiva.
Estratégia metodológica
O que é apresentado neste artigo faz parte de um projeto maior, intitulado “O desenvolvimento da capacidade da agência e a reconfiguração emocional em viciados no processo de ‘reabilitação’. Rumo a uma proposta de prevenção”. Tanto o estudo maior quanto o que é apresentado aqui, partem da colocação no centro de análise do órgão do sujeito, ou seja, a capacidade de tomada de decisão de sua pessoa e o processo de reabilitação. Este projeto visa recuperar as vozes de alguns sujeitos em condição de vício para mostrar com precisão, a tomada de decisão em situações específicas. Assim, a função do trabalho é uma atividade onde converge o sujeito, a forma de se relacionar com os outros e seu ambiente.
Metodologia. Nesta pesquisa é fundamental dar ênfase ao tema e suas práticas. Devido a isso, uma metodologia qualitativa foi utilizada para facilitar a abordagem aos signatários que os sujeitos dão ao que fazem, dizem e sentem (Ruiz, 2015).
Técnica e população. Para se preocupar com o trabalho no processo de ressignificação emocional no processo de reabilitação de sujeitos em condição de dependência de drogas, foram aplicadas entrevistas aprofundadas no período de maio a agosto de 2020, a 10 sujeitos em reabilitação com mais de 5 anos de sobriedade.
Tipo de amostragem. Foi utilizada amostragem intencional (Martín-Crespo e Salamanca, 2007) que se baseia nas características da população relevantes para o projeto de pesquisa. Nesse sentido, a seleção dos participantes foi patrocinada pelos líderes do grupo que fizeram questão de propor temas que não estavam expostos a recaídas ou riscos físicos ou psicológicos. Em seguida, tivemos uma abordagem com os possíveis participantes para apresentar o projeto e solicitar seu apoio voluntariamente para entrevistá-los. São cerca de 5 homens e 5 mulheres, todos eles com a maioridade. Em todos os momentos, a autonomia e as regras do coletivo foram atendidas.
Instrumento. Os temas que compõem a entrevista aprofundada foram: 1) trajetória pessoal, familiar e de trabalho durante o processo de consumo e reabilitação; 2) fraturas graves na infância; 3) emoções em indivíduos em condição de vício em drogas; (4) trabalho e seu papel nas diversas fases da reabilitação; 5) ferramentas de apoio para a ressignificação emocional; 6) desenvolvimento de habilidades para uma qualidade de vida sustentável fora do local e estrutura de reabilitação.
Contexto. Os sujeitos fazem parte de um grupo de autoajuda que implementa o programa 12 passos alcoólicos anônimos onde pessoas com dependência de drogas são cuidadas. Esse grupo é formado por aproximadamente 150 membros, tem 20 anos e é um dos estabelecimentos especializados em atendimento ao vício reconhecido pelo Conselho Estadual contra vícios em Jalisco (CECAJ). Os líderes antes de entrar no grupo eram usuários de substâncias viciantes, durante sua estadia no grupo foram treinados e certificados como conselheiros de vício com a intenção de profissionalizar o processo de reabilitação.
A importância desse grupo de autoajuda para esta pesquisa reside no fato de que se considera que o problema do sujeito em condição de vício não é o consumo de drogas nem o único objetivo é parar de consumir, mas a intenção é fornecer ferramentas que ajudem na recuperação de hábitos como a responsabilidade, pontualidade, perseverança e comprometimento e também com a prática constante de gestão e ressignificação emocional para melhorar a qualidade de vida do sujeito.
Este grupo está localizado na Região Metropolitana de Guadalajara, no estado de Jalisco, no México. O grupo de autoajuda incorpora a catarse no processo de reabilitação como estratégia de reconhecimento e explicitação das situações emocionais a serem resolvidas, incorporando também a figura do padrinho como acompanhante, cuidador e guia no processo de reabilitação. O patrocinador refere-se a uma pessoa que acompanha e cuida do sujeito em condição de vício em seu processo de reabilitação. O padrinho serve como uma figura de autoridade, pois ser padrinho refere-se a uma escada na estrutura da organização do programa de 12 passos, onde o padrinho (no caso dos homens) e a madrinha (como para as mulheres), progrediram no caminho para sua sobriedade emocional e pararam de consumir, também realizaram os serviços atribuídos e praticaram os hábitos e valores do grupo (Alcoólicos Anônimos, 2017).
Considerações éticas. Foi dada ênfase à confidencialidade das informações, à proteção de seus dados e ao uso de informações para fins acadêmicos. Aqueles que participaram deste projeto compartilhando sua experiência assinaram o consentimento informado. As entrevistas foram gravadas para transcrição posterior. Para cuidar do anonimato nas provas, foram utilizadas as entrevistas E e o número do entrevistado, seguido pelo ano em que foram aplicados.
Aplicação de entrevistas aprofundadas. As entrevistas foram realizadas virtualmente devido ao contexto da pandemia COVID-19, onde órgãos governamentais decretaram a implementação de medidas de isolamento físico. A plataforma ZOOM foi usada por ser fácil de usar para mulheres e homens que compartilharam sua experiência através da entrevista em profundidade. Cada entrevista durou perto de 2 horas e foi gravada em vídeo para fins acadêmicos. O local e o horário da entrevista foram acordados entre o entrevistador e a pessoa em condição de vício.
Análise de dados. A análise dos dados foi feita com apego à história que faz parte do paradigma interpretativo-compreensivo Para a codificação dos dados e a construção das categorias, foi utilizado o programa Atlas ti 8.
Limitações do estudo. Uma delas é que não houve análise de dados com perspectiva de gênero. Outra limitação é a atenção a um grupo de autoajuda que pesa os valores da comunidade, considerando a ampla gama de modelos de programas de cuidado e reabilitação. Deve-se notar que não há conflitos de interesses neste projeto.
Achados e discussão
A análise dos dados permitiu identificar que os sujeitos em condição de vício expressam atitudes ligadas à hipersensibilidade, o que facilitou a fratura de vínculos com as pessoas com quem se relacionam e afetaram colateralmente suas áreas de vida. Nesse sentido, a reabilitação não se trata de alcançar a sobriedade antes do consumo, mas que os sujeitos em condição de vício reconheçam sua hipersensibilidade para que identifiquem suas emoções e as ressignifiquem, uma vez que as emoções estarão presentes no dia a dia, e o importante é proporcionar-lhes diferentes significados diante de sua hipersensibilidade.
Para isso, o trabalho se torna uma ferramenta, pois, sujeitos que estão em constante interação com os outros, podem identificar, reconhecer e ressignificar suas emoções. Nas linhas seguintes são desenvolvidas 3 seções, a primeira é focada em descrever a forma como as emoções são expressas através de atitudes em sujeitos hipersensíveis. A segunda seção descreve a forma como o trabalho facilita o reconhecimento emocional, enquanto a terceira seção aponta para o trabalho concebido como um serviço e sua ligação com a ressignificação emocional.
O sujeito hipersensível e suas atitudes
Ser hipersensível implica ter atitudes particulares, uma vez que as emoções sendo uma parte constitutiva do sujeito estão intimamente relacionadas com o modo de ser, sentimento e atuação dos sujeitos, especialmente porque as emoções são “uma resposta física e psicológica a um evento” (Punset, 2015, p. 35). Embora, como será visto mais tarde, as emoções também são expressas de acordo com o contexto sociocultural. Essa forma de sentir nos sujeitos em condição de vício tem particularidades, como expressa o seguinte entrevistado: “somos muito complicados, somos muito alcoólatras, por essa hipersensibilidade, por essa forma de ser arrogante, sentir-se os mesmos deuses, que eu posso de tudo, não permito que ninguém modifique minha vida”.
A hipersensibilidade implica adotar formas de ser que nem sempre facilitam aos sujeitos sua ligação com o mundo, pois o sujeito em condição de vício devido à sua hipersensibilidade geralmente tem a falsa ilusão de ser perfeito, pois considera que não está errado, não reconhece seus fracassos ou é responsável por suas ações, e com isso, ele sente que ninguém deve dar-lhe direções ou chamar sua atenção, especialmente quando se trata de uma figura de autoridade. Essa posição não lhe permite desenvolver hábitos para a vida ou se relacionar com os outros, pois deixa de lado a responsabilidade, pontualidade, o compromisso, o respeito, a ordem e a perseverança que são aspectos fundamentais para se posicionar no mundo social, econômico, político e cultural. Assim, muitos sujeitos em condição de vício por não consentirem em se apegar a normas socioculturais vivem frequentemente em conflito. Isso é mostrado na seguinte conta:
Eu não gosto de ser repreendido, eu não gosto de ser governado, eu não gosto de ser dado horários, eu não gosto de ser dito que era errado, [...] é por isso que eu sempre acabei brigando com as pessoas ou eles me tiraram do trabalho (E. 6, 2020).
A falta de aceitação de figuras de autoridade é um traço do egocentrismo, característico dos sujeitos em condição de vício hipersensível (Flores, et al., 2020). Segundo Flores, et al, (2020), o egocentrismo refere-se à condição dos sujeitos de “viver centrados em si mesmos, em seus desejos, em suas tristezas e em suas demandas” (p. 38), causando situações de conflito onde o mundo não se apresenta como eles percebem e vivem.
Porem, nem todos os traços de um sujeito em condição de vício e hipersensível são negativos, a condição de sentir emoções com maior intensidade facilita que eles tenham maior empatia com os outros, mesmo por um curto período de tempo. Isso é muito perceptível no local de trabalho, onde no setor de serviços a bondade, cortesia e resolução de problemas são pesados. Isso é mostrado na história a seguir “alcoólatras são bons em escalar. Eles começam a varrer e de repente eles já estão no comando do negócio. Eles são práticos, rápidos, damos resultados, estamos comprometidos, somos bons em tirar as coisas” (E. 3, 2020). O problema surge quando sujeitos em condições de vício não conseguem se sustentar em constância, pontualidade, responsabilidade e compromisso com a atividade que realizam ou com relacionamentos com aqueles que interagem. Aqui está a seguinte conta:
Um alcoólatra ativo pode tirar o trabalho rapidamente, mas, assim como ele tira isso pra você, quão rápido ele pode roubar de você ou quão rápido ele pode deixá-lo. O dia em que você tem grandes vendas veio bêbado; ou no dia mais importante ele sai com sua batita baba ele está bêbado, não chega ou se atrasa.
Assim, a condição do egocentrismo ligada à hipersensibilidade em assuntos em condição de vício guia modos de vida que dificultam seu posicionamento no mundo, ao mesmo tempo em que não conseguem fortalecer relações de longo prazo ou serem reconhecidos como sujeitos que aderem às normas socioculturais. Assim, eles não têm um respeito social que reconheça seu lugar nas diferentes áreas da vida, incluindo o trabalho. Assim, as emoções relacionadas à hipersensibilidade são expressas através do corpo e atitudes que sustentam vícios. Por isso, é que alguns processos de reabilitação retomam o trabalho como forma de os sujeitos identificarem e reconhecerem sua emoção.
O trabalho como serviço facilita a identificação e o gerenciamento das emoções
A atenção à emoção dos sujeitos é realizada através do trabalho considerado por aqueles que estão em reabilitação como serviço, entendido como a “atribuição de atividades coletivas voltadas para o bem-estar do grupo” (E. 5, 2020). O serviço é uma tarefa que pode exigir força física, intelectual ou tanto voltada para o autocuidado quanto para o cuidado em grupo. Nesse sentido, o serviço não representa necessariamente uma atividade econômica, pois busca colocar o esforço e a vontade em benefício de si mesmo e do coletivo, prestando ajuda a quem precisa. O serviço faz parte de um sistema de reconhecimento e recompensa baseado no tempo em que o sujeito deixou de consumir e adere aos hábitos e valores do grupo (Alcoólicos Anônimos, 2018). As tarefas entendidas como um serviço incluem desde a limpeza em áreas comuns do local onde o grupo de autoajuda se reúne à sua participação em escritórios intergrupos ocupando cargos administrativos, financeiros ou decisórios em relação ao grupo (Alcoólicos Anônimos, 2018).
O serviço está presente nas diferentes fases da reabilitação, é até possível afirmar que é uma pedra angular. Isso é afirmado pelo seguinte entrevistado: “meu padrinho me disse: primeiro o primeiro, e a primeira coisa é estar bem. Para ficar bem, você precisa de tratamento. Para ter tratamento você precisa de um serviço para estar no grupo, seja honesto, nos diga a verdade e seja transparente.” Nesse sentido, o trabalho como serviço funciona como um meio de equilibrar o estado emocional ligado à hipersensibilidade com o apoio das relações interpessoais.
Nesse sentido, coincide com Sutil (2013), ao apontar que as emoções mediadas pelo ambiente sociocultural favorecem o vínculo entre os sujeitos e entre eles e a sociedade. Por essa razão, a atividade denominada serviço, embora possa ser realizada individualmente, responde a um benefício coletivo, uma vez que se baseia na interação com o outro e, neste caso, no bem-estar pessoal e coletivo, uma vez que o serviço é acompanhado pela prática de valores.
Portanto, a relação interpessoal está presente no dia do serviço e das emoções, uma vez que é amalgamada pelos hábitos, costumes e valores do grupo de referência, como honestidade, perseverança e adesão. Assim, o serviço ao exigir o vínculo com o outro implica implicitamente relações sociais suportáveis que facilitam a identificação e a gestão emocional. Isto é declarado por um dos entrevistados:
... o serviço ajuda você a controlar os pensamentos de doença emocional, aqui dizemos que é para controlar a ‘loucura’ que se traz, e você também convive com os companheiros, para que você esqueça o que você traz e se concentre no que eles te colocam para fazer (E. 4, 2020).
A história mostra que o trabalho entendido como serviço é um eixo onde as relações sociais convergem (Narotzky, 2004), com o objetivo de evadir ou prevenir estados emocionais considerados não favoráveis ao humor. Nesse sentido, as emoções expressam formas de sentimento que devem ser identificadas, reconhecidas e atendidas, especialmente aquelas que não aderem a valores, regras, normas e padrões socioculturais. Essa forma de sentir emoções fora do quadro sociocultural, Abraão (1998 citado em García et al, 2014) chama de dissonância emocional porque gera uma tensão entre as emoções expressas e vivenciadas. Isso é expresso pelo seguinte entrevistado:
O serviço nos ajuda a não ter recaída, não beber álcool mas, não cair em depressão, loucura, não conseguir dormir, não ter pensamentos perjudiciais e autodestrutivos porque há muita desvalorização, depressão, inveja... Se não estamos fazendo serviço, podemos viver em um inferno sem consumir (E. 1, 2020).
Um aspecto que deve ser destacado em termos de emoções e serviço é o seu caráter vinculante porque imprime uma maneira de se posicionar na frente do mundo. Coincide com Merleau-Ponty (1957 citado em Cervantes, 2016), ao afirmar que emoções são comportamentos, modos de ser e estar no mundo em um elo indissolúvel com ele. Ao mesmo tempo, o sujeito pode travar uma batalha entre suas emoções, a maneira como as vive e a necessidade de evitá-las, especialmente aquelas que levam ao sofrimento e à autodestruição, porque, como aponta Hochschild (1983), “as emoções comunicam informações sobre nós mesmos” (p.120), especialmente quando se trata de sujeitos que tendem a sentir suas emoções mais intensamente e colocá-las em estados propensos ao risco, solidão ou depressão, pois é necessário evitá-las porque em alguns momentos essas emoções estavam presentes no consumo de drogas e fizeram com que o vício se apossar.
A luta entre os mundos emocional e social individual permanece constante em assuntos hipersensíveis. Por isso, não basta identificar emoções e reconhecê-las, mas é conveniente ressignificá-las das experiências vividas e do apoio às ferramentas fornecidas pelo programa de reabilitação.
Serviço e resignificação emocional
A centralidade da atenção às emoções em sujeitos hipersensíveis reside na realidade de que as emoções estão latentes dentro do assunto e, ao mesmo tempo, estão ligadas ao contexto. O problema é que as emoções associadas à hipersensibilidade não facilitam a ligação do sujeito com o mundo. Assim, os sujeitos, reconhecendo que sua hipersensibilidade lhes causa desconforto emocional e complica seu ser no mundo, decide ressignificá-los.
A ressignificação é um processo precedido pela gestão emocional do sujeito. Segundo Hochschild (1979), a gestão emocional envolve a identificação e o reconhecimento deles, além disso, atende à sua emoção, direcionando-a da maneira que considera adequada ou com apego às normas sociais. Realizar esse processo individualmente é difícil para indivíduos hipersensíveis, pois precisamente sua condição faz com que as emoções se intensifiquem, maximizando ou minimizando situações. Por sua vez, essas emoções por sua natureza em alto grau, geralmente não são facilmente gerenciáveis. É assim que o entrevistado a seguir se relaciona:
tem sido muito difícil para mim gerenciar minhas emoções sozinho. Não é tanto dirigir, como está sendo dito, “Não fique com raiva.” Não, mas eles aterrissam em você. Que eles fazem você ver qual é o problema, qual é a situação e que eles abrem teus olhos para ver qual é a realidade (E. 3, 2020).
De acordo com a história, emoções em sujeitos hipersensíveis tendem a se destacar em uma situação específica, deixando de lado a ação e seu contexto. Portanto, é necessário quebrar a situação através de um processo reflexivo para separá-la da emoção, pois, em muitos casos, essa emoção deriva em comportamentos e atitudes impulsivas ou não fundamentadas. Assim, no programa de reabilitação do grupo de autoajuda, recorre à ressignificação emocional, entendida por alguns entrevistados como uma reestruturação emocional, na qual, embora seja verdade que não é possível mudar a intensidade da emoção, é viável dar-lhe um significado diferente no momento de separá-la da ação e, ao mesmo tempo, praticar princípios e valores do grupo através do serviço. Dessa forma, a atenção à emoção e aos pensamentos que a acompanham é diminuída. Isso se expressa na seguinte narrativa:
o que me trouxe de volta foi a reestruturação emocional porque me deu a oportunidade de viver uma vida de qualidade, realmente gostando de quem você é, de ser grato pelo que você tem. Divirta-se, ame-se, e ame a àqueles ao seu redor (E. 2, 2020).
A ressignificação emocional é um processo complexo porque envolve o reconhecimento e apropriação das emoções no âmbito de novos sentidos e significados (Gómez e Cervantes, na imprensa). Tudo isso, com o objetivo de reposicionar o tema no mundo social e individual. Esses quadros de significado são mediados por serviços, hábitos e valores. Isso é expresso pelo seguinte entrevistado:
Focar nas minhas emoções significou que eu parei de pensar que eu sou o mundo. Deixar de pensar que tudo gira em torno de mim. Deixar de ser egocêntrico. E a próxima coisa é a prática de bons trabalhos, de coisas boas. É para isso que são os serviços, não mentir, não trapacear, não odiar, ser honesto (E. 2, 2020).
Segundo o entrevistado, a ressignificação emocional baseia-se no serviço de realização de atividades para combater as atitudes egocêntricas do tema. Nesse sentido, concorda-se com Narotzky (2004) ao apontar que, o trabalho contabiliza a condição do sujeito, os objetivos sociais predominantes e as práticas que mantêm a subsistência do sujeito, com benefícios individuais e coletivos. Nesse sentido, o trabalho entendido como serviço participa da atenção da emoção do sujeito.
Ao mesmo tempo, o processo de ressignificação emocional é acompanhado pela prática de valores comunitários que posicionam os sujeitos de forma diferente diante da realidade a partir da mudança de perspectiva e incorporando hábitos para se tornarem um estilo de vida. Isso é entendido quando se considera que as emoções “são sustentadas em uma formação emocional que é instalada graças às práticas sociais e que é compartilhada pelos membros de uma comunidade em um determinado momento” (Enríquez, 2009, p.39). Em seguida, a ressignificação emocional implica hábitos onde atividades e valores voltados para a melhoria da qualidade de vida convergem.
Da mesma forma, a ressignificação emocional faz parte de um processo que requer prática contínua, uma vez que a condição de emocional estará sempre presente e os descuidos emocionais trazem consequências que levam ao desconforto emocional. Foi assim que um sujeito expressou através da seguinte história: “o preço de se negligenciar emocionalmente é muito caro porque você tem loucura, depressão, você tem pensamentos insalubres. Por dentro, você quer se autodestruir. Há sempre uma ideia autodestrutiva de loucura” (E. 3, 2020). Nessa perspectiva, as emoções fornecem informações sobre o estado emocional do sujeito. Coincide com Hochschild (1990) ao argumentar que as emoções, como os sentidos, nos fornecem informações sobre nós mesmos sobre nosso modo de sentir e experimentar o que sentimos.
Parte da ressignificação emocional, consiste na distância pelos sujeitos em reabilitação das pessoas e lugares com os quais se relacionam durante o período de consumo, pois para sustentar um sentimento de pertencimento, é possível que os sujeitos recaíssem em estados emocionais de desconforto, apesar de terem clareza das consequências. Isso é expresso na seguinte conta:
Quando levo a recuperação a sério para trabalhar minhas emoções percebo que não posso voltar com meus velhos moldes, com as pessoas que consumi, nos espaços onde consumi, aos lugares e pessoas com quem consumi, porque você vive uma dor, mas também sei que depois vou ter uma recaída e sentir o mesmo ou pior do que antes (E. 4, 2020).
Precisamente, a luz da esperança oferecida por um processo de reabilitação é focada na ressignificação emocional, pois exige um trabalho que relaciona o atendimento à prática de valores, a ruptura com o ambiente viciante e a capacidade dos sujeitos de tomar decisões sobre si mesmos, entre outros aspectos.
Repercussões teórico-práticas com base nos resultados
Hipersensibilidade como parte constitutiva do sujeito e do processo viciante. Um aspecto que se destaca na condição de vício em alguns sujeitos é que, o consumo é o resultado em parte, de um traço constitutivo do sujeito: a hipersensibilidade. E, não deve ser dissociado do processo neuro-bio-psicologico viciante ou do contexto sociocultural, pois a expressão emocional tende a ser moldada de acordo com os esquemas predominantes naquele momento e, ao mesmo tempo, está presente no modo de ser e sentimento do sujeito que, juntamente com as demandas socioeconômicas da época e a provável baixa disponibilidade de recursos em termos de atitudes, aptidões, habilidades, suportes físicos, econômicos e emocionais que facilitam o uso de drogas viciantes. Nesse sentido, a conformação do sujeito em condição de vício não pode ser entendida apenas a partir do contexto sociocultural ou dos efeitos comportamentais negativos, mas há repercussões no nível neuronal, biológico e psicológico que têm consequências na forma como o sujeito se relaciona consigo mesmo e com seu ambiente.
É necessário continuar aprofundando-se na hipersensibilidade porque, segundo Flores et. al (2020) nem todos os sujeitos hipersensíveis têm uma condição de vício, mas todos aqueles que estão em situação de vício são hipersensíveis. Por isso, abordagens multidisciplinares que contribuem para a compreensão das situações que facilitam o vício em drogas legais e ilegais são adequadas.
Conclusões
As emoções alimentam as ações dos sujeitos em uma variabilidade de nuances que podem variar da autodestruição ao bem-estar individual e coletivo, trazendo diferentes formas de se relacionar consigo mesmos, com os outros e com seu ambiente. Quando se trata de sujeitos hipersensíveis, esse amálgama de emoções e ações geralmente leva a intensas experiências emocionais, formando modos de vida que tendem à autodestruição e à fratura de vínculos.
Ao contrário do período de consumo em que algumas emoções mobilizaram atos autodestrutivos, na reabilitação e com o apoio do serviço, é realizado um processo de ressignificação emocional para dar sentido à forma como vivem, assumem e orientam suas emoções. Trata-se de fornecer-lhes um significado que facilita sua conexão com eles mesmos e com os outros. Assim, após a discussão dos resultados, é possível sustentar o seguinte:
A hipersensibilidade está presente como parte constitutiva do assunto e participa transversalmente tanto no processo viciante quanto na reabilitação. Por um lado, a hipersensibilidade predispõe algumas atitudes do sujeito amalgamadas com a emoção que vive naquele momento e seu ambiente socioeconômico-cultural para facilitar o consumo viciante de drogas. Por outro lado, a hipersensibilidade também é um eixo que articula a identificação, gestão e ressignificação emocional do sujeito no processo de reabilitação para melhorar a forma como ele se relaciona com os outros a partir do reconhecimento de sua hipersensibilidade. Da mesma forma, a hipersensibilidade é um aspecto a ser considerado na discussão das dimensões neuro-bio-psico-socioculturais dos sujeitos no vício em drogas.
Em sujeitos hipersensíveis, as emoções quando sentidas e vividas com maior intensidade dificultam a gestão emocional individualmente, por isso é necessário um trabalho de ressignificação, onde as emoções e a ação ou situação ligada a eles, fazem parte de um processo reflexivo que facilita a desvinculação da emoção da ação para revisá-las separadamente de um quadro diferente de significado.
Desse ponto de vista, a ressignificação emocional é um processo complexo onde o trabalho compreendido como serviço participa de forma central, pois, através disso é possível colocar em prática valores e hábitos orientados para o autocuidado emocional, entendidos como o processo pelo qual, os sujeitos têm conhecimento de sua hipersensibilidade, estão cientes disso, praticam hábitos e valores através do serviço para promover estados emocionais que os ajudam a viver de forma digna e, ao mesmo tempo, reposicioná-los em diferentes áreas da vida.
Um aspecto que se destaca na ressignificação emocional é o atendimento, pois se baseia em objetivos sociais e comunitários. Assim, o serviço é o meio pelo qual o sujeito incorpora os hábitos e valores do grupo que lhe permitem relacionar a forma como vive suas emoções, e modificar a forma como se relaciona com os outros e seu ambiente, reconfigurando-se, seu quadro de referência.
Levando em conta que as emoções são construções culturais que requerem formação emocional (Enríquez, 2009) para expressar quais emoções são relevantes, onde e até que ponto se manifestam, também é possível assentir que contextos socioculturais mostram uma variabilidade de nuances que podem ou não facilitar a inclusão de sujeitos hipersensíveis. Em particular, porque a sociedade atual promove estados viciantes baseados em promessas de prazer de curto prazo, como acontece com o consumo de substâncias que, ao ultrapassarem a fronteira do que é permitido e se constituem como vício, os sujeitos caminham em direção à exclusão e estigmatização, colocando-os em tensão contínua porque as emoções atravessam o campo do biológico, o psicológico e o social instituído no assunto. O problema surge quando nessa jornada esses campos são diferentes uns dos outros, dificultando a expressão de emoções com apego aos parâmetros socioculturais. É por isso que a ressignificação emocional facilita o retorno do sujeito ao mundo social e o concilia com seu mundo emocional.
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1 Licenciada en Sociología, Maestra en Ciencias Sociales y Doctora en Educación, por la Universidad de Guadalajara. Adscripción institucional: Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Occidente (ITESO). Correio eletrônico: anaaracelin@iteso.mx,
ORCID: 0000-0003-3667-2274